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Pedro Paulo Cava: o arquiteto impetuoso da cena mineira

Sua entrega ao teatro é física, espiritual, política. Fundador de grupos, de escolas, de espaços, é sobretudo um criador de mundos

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Há personalidades que não apenas habitam a história da arte – elas a desafiam, a refazem, a tensionam com sua própria existência. Pedro Paulo Cava é uma dessas figuras: não um nome entre outros, mas um vértice da construção da modernidade cultural mineira e brasileira. Há algo de barroco e moderno em sua trajetória – um traço denso de Minas, de seus altos e baixos, de seus abismos e cumes simbólicos.


Conheci Pedro Paulo em 2009, numa noite em que sua galeria, nos subterrâneos vivos do Teatro da Cidade, abrigava uma exposição da grande Yara Tupynambá. Ali, entre a cena e a pintura, compreendi que sua obra não se prende a um e: ela é cena, é luz, é palavra, é resistência. Dias depois, assisti à sua encenação de "Mulheres de Hollanda", um dos momentos mais belos do teatro mineiro contemporâneo – e entendi que ele pertence à linhagem dos que não repetem o mundo, mas o reconfiguram.


Pedro Paulo é energia – no sentido bergsoniano do termo. Ele pulsa, impulsiona, atravessa. Sua entrega ao teatro é física, espiritual, política. Fundador de grupos, de escolas, de espaços, é sobretudo um criador de mundos. O Teatro de Pesquisa, que funda em 1970, torna-se um epicentro das transformações cênicas durante a ditadura. A Oficina de Teatro, frequentada por milhares, forma gerações. Sua galeria de arte, sua voz na rádio, sua militância, seus textos, suas crônicas – tudo em Cava parece convergir para a convicção de que a arte é uma forma superior de intervenção no mundo.


"Não há arte sem política nem política sem imaginação estética", escreveu Herbert Marcuse. Cava encarna essa síntese. Foi um dos artífices da regulamentação da profissão de artista no Brasil, lutou pela criação das secretarias de Cultura, atuou nos bastidores das políticas públicas culturais com a mesma verve com que dirigiu "Rasga Coração" ou "O Sr. Puntila e seu Criado Matti". Não é exagero dizer que parte significativa da arquitetura simbólica da política cultural em Minas foi pavimentada por suas ideias e embates.


Mas o que distingue Pedro Paulo, acima de tudo, é a sua rara capacidade de construir legados sem se aprisionar a eles. Fundou o Teatro da Cidade em 1990 – um feito não apenas arquitetônico, mas simbólico: erguer um templo da arte no coração de Belo Horizonte, com apoio da iniciativa privada, quando a cultura ainda se debatia por reconhecimento. Ali, seus espetáculos misturam tradição e ruptura, classicismo e crítica. Ele é, como disse certa vez Octavio Paz sobre os poetas modernos, "um contemporâneo de todos os tempos".


Dirigiu Sartre, Brecht, Ionesco, Shakespeare, mas também Maria Clara Machado, Chico Buarque, Drummond. Ator, dramaturgo, radialista, professor, galerista. Recebeu as maiores condecorações da cultura brasileira, mas nunca se fez refém dos títulos. É conhecido por sua intensidade, sua exigência, seu temperamento às vezes tempestuoso – traços de um gênio que, como em Artaud, não quer agradar, mas transformar. Seu compromisso não é com a celebração, mas com a criação.


Reencontrei-o este ano, sereno e atento, no Palácio da Liberdade, durante a celebração dos 50 anos da Campanha de Popularização do Teatro. A Campanha – que Pedro Paulo sempre incentivou – é, como ele, uma tradição viva. Democratiza o o à arte, descentraliza, movimenta a economia criativa e revela talentos. É exemplo nacional de política cultural efetiva, sustentada por artistas, produtores e gestores comprometidos com o público. E, como ele, é teimosa, resistente e amorosa.


Como diria o filósofo francês Jean-Luc Nancy, "a arte é aquilo que escapa ao cálculo e abre brechas no mundo". Cava vive nessas brechas. Sua obra não é apenas repertório: é gesto civilizatório, projeto de nação, território de liberdade.


Celebrá-lo é afirmar que Minas se faz também de artistas que souberam, como ele, edificar sua grandeza com o barro da luta e a luz da criação. O tempo fará justiça a Pedro Paulo Cava. A cultura mineira já fez.

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