Ranking indica piores cidades para ser mulher em MG; conheça as 10 últimas
Pesquisa com 319 municípios no país aponta que nenhum tem desempenho satisfatório em igualdade de gênero
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Siga noDez cidades mineiras estão entre as piores do país para ser mulher. É o que revela pesquisa feita pelo instituto socioambiental Tewá 225. O estudo avaliou 319 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, e demonstra como cada um se classifica no cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 5, que trata da igualdade de gênero e representa uma das metas da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Somos uma organização 100% formada por mulheres. Vendo que faltam apenas seis anos para atingir o marco estabelecido (2030), entendemos que o ciclo de mandato dos próximos quatro anos será crucial para os municípios. A motivação da análise foi gerar dados substanciais para uma emulação positiva, ou seja, que as cidades, a partir da colocação no ranking, tivessem interesse em investir em mais políticas públicas de gênero”, afirma a CEO do Tewá e coordenadora da pesquisa, Luciana Sonck.
Em consonância com a Agenda 2030 da ONU, a pesquisa foi baseada no Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC-BR), uma ferramenta de monitoramento dos ODS nos 5.570 municípios brasileiros. “O estudo parte do uso desse índice que mede o quanto cada município está ou não atingindo a igualdade de gênero de acordo com os parâmetros dos ODS. O levantamento normaliza cinco subindicadores com o mesmo peso na medição final. Eles são parametrizados para gerar uma nota, de 0 a 100, semelhante a indicadores como IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e PIB (Produto Interno Bruto)”, explica a coordenadora.
A composição do índice do ODS 5 considera as seguintes variáveis e suas respectivas bases de dados: taxa de feminicídio a cada 100 mil mulheres (DataSUS); desigualdade salarial por sexo (Relação Anual de Informações Sociais - Rais); percentual de mulheres na Câmara de vereadores do ciclo legislativo 2020-2024 (Tribunal Superior Eleitoral); taxa de jovens mulheres (15 a 24 anos) que não estudam nem trabalham e a diferença percentual dessa taxa entre homens e mulheres, sendo os dois últimos dados baseados no Censo 2010 do IBGE.
Os critérios juntos formam a nota que permite identificar em que patamar se localiza o município frente a esse tema. “Para nós, isso gerou um ranking de cidades. Optamos por trabalhar com as médias e grandes cidades para gerar o máximo de justiça na análise, já que comparar essas realidades com pequenas regiões poderia ser injusto”, argumenta Luciana.
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Resultados decepcionam
A nível nacional, nenhuma das cidades avaliadas no país atingiu um nível considerado “alto” de desempenho (pontuação de 60 a 79,99). Mais de 84% receberam uma pontuação classificada como “muito baixa” (0 a 39,99), com média de apenas 34,5 pontos na escala de 0 a 100. Nenhum município brasileiro ultraou os 54 pontos – desempenho em uma faixa de desenvolvimento “média” (de 50 a 59,99).
Em Minas Gerais, das 34 cidades analisadas, 30 apresentaram desempenho muito abaixo do ideal. As 10 piores do estado, segundo a pontuação no IDSC, foram: Araxá (24 pontos), Ituiutaba (28,6), Sabará (29,3), Poços de Caldas (29,7), Varginha (30,2), Sete Lagoas (30,4), Ipatinga (31,1), Betim (31,5), Vespasiano (31,7) e Patos de Minas (31,8).
Dos municípios avaliados em Minas, apenas quatro – Belo Horizonte, Juiz de Fora, Nova Lima e Nova Serrana – apresentaram pontuações um pouco melhores, embora ainda insuficientes para sair da zona de alerta. “Mesmo assim, 88% das cidades mineiras seguem com desempenho muito baixo, e longe de atingirem a igualdade de gênero”, destaca Luciana.
A pior colocação
Araxá, terra natal do governador Romeu Zema (Novo) foi considerada no ranking a pior cidade mineira e a 16ª colocada do Brasil em termos de igualdade de gênero. Uma das variáveis que fizeram com que o município despencasse a pontuação foi a taxa de desigualdade salarial entre homens e mulheres. Dados mais recentes do IDSC, disponibilizados em percentual, apontam que as mulheres recebiam 52% a menos que os homens na cidade, em 2022.
A líder da Marcha Mundial das Mulheres, Marisa Aparecida Rufino, diz que viver em Araxá é um desafio do ponto de vista da igualdade de gênero. “Para começar, no nosso governo municipal temos cargos ocupados por mulheres, mas não vejo nenhuma mulher preta – elas normalmente se encontram em movimentos populares ou na periferia. Em todos os âmbitos somos desrespeitadas”, avalia ela, que também é filiada ao Movimento Negro Unificado.
Marisa é moradora de Araxá e conta que os movimentos sociais começaram a avançar na cidade há relativamente pouco tempo. “Na maioria das vezes, estou gritando sozinha, ou com companheiras de outras cidades. Trabalho voluntariamente, 24 horas por dia, para causas da mulher, e já vivenciei muitas situações. Já houve casos em que socorri mulheres e famílias, porque alguns postos de atendimento funcionam apenas até as 17h”, afirma.
Além disso, ela diz que, em 2024, a Casa de Luiza – criada para atender vítimas de violência – precisou paralisar as atividades devido ao que a ativista considera perseguição política. “Nós a criamos como um projeto, e depois ela virou uma associação de promoção humana. Isso porque não tem como uma mulher ser violentada após as 17h e ter que esperar até o outro dia para ser socorrida”, desabafa Marisa.
A posição do município
Questionada pelo Estado de Minas sobre quais as medidas públicas existentes no município para evitar situações desse tipo, a Prefeitura de Araxá informou que a cidade conta com o Centro de Referência de Atendimento à Mulher (Cram), que iniciou suas atividades em fevereiro de 2021. O serviço é voltado exclusivamente para vítimas femininas de violência doméstica. Segundo a istração municipal, o atendimento é realizado por uma equipe multiprofissional composta por psicóloga, assistente social e advogada.
“O objetivo é acolher, orientar e facilitar o o dessas mulheres à rede de proteção e promoção social. Além de atuar na promoção do rompimento do ciclo da violência, oferecendo e emocional, social, jurídico e o à rede de proteção”, informou o município, em nota. “Semanalmente, a equipe técnica do Cram acompanha a Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica, da Polícia Militar, em visitas domiciliares, prestando apoio e esclarecimentos às vítimas”, acrescentou.
“Coronelismo histórico”
Édna Leite Ramon mora hé 48 anos em Poços de Caldas, no Sul de Minas, onde hoje atua como conselheira tutelar. “As principais queixas das mulheres na cidade são o cansaço e o medo. Muitas estão cansadas por ter que exercer até quatro funções diferentes – trabalhar em casa e fora, cuidar dos filhos e atuar na sociedade –, e têm medo de sair de casa, especialmente à noite. Quase 100% das mulheres que atendo no Conselho Tutelar já sofreram algum tipo de violência”, afirma.
A conselheira diz que a falta de ocupação feminina em cargos de liderança é outro aspecto que ajudou a colocar Poços de Caldas em má colocação lugar no ranking de igualdade de gênero. De acordo com o índice de desenvolvimento, durante a legislatura de 2020 a 2024, apenas duas vereadoras foram eleitas. Em 2025, somente uma foi escolhida: Meiriele Cristine Alves Maximino (União).
Além disso, Édna alega que a Justiça no município é “morosa” na tomada de decisões. “Hoje, um caso de violência contra a mulher se arrasta. Falta responsabilização efetiva. Também acredito que normalizamos a violência, porque a cidade ainda tem resquícios de um coronelismo histórico. Não há política de acompanhamento das vítimas”, destaca ela, que também é integrante da Marcha Mundial das Mulheres.
Secretaria para mulheres
A ativista Maria Paula Monteiro, integrante do Conselho Municipal de Direitos da Mulher, morou em Sete Lagoas, na Região Central do estado, por 18 anos, e vê dificuldade de o da população a serviços básicos na cidade, que ficou em uma das piores colocações no estado em igualdade de gênero. “A Delegacia da Mulher, por exemplo, não funciona 24 horas. É uma cidade onde as mulheres ainda relatam muito preconceito ao ar os serviços, uma perspectiva de descrença e falta de apoio”, descreve.
Maria Paula Monteiro afirma que, em janeiro de 2024, com pressão de movimentos populares, uma Secretaria Municipal da Mulher foi criada, mas ela sustenta que até o momento, a pasta não apresentou um plano de trabalho com metas para redução da violência. “Não há financiamento para políticas públicas; o órgão foi inaugurado, mas não consegue construir nada de efetivo sem orçamento”, critica.
A Prefeitura de Sete Lagoas, no entanto, sustenta que, desde a implantação da secretaria, são realizados atendimentos às mulheres com orientação jurídica, encaminhamento às parceiras para proposituras de ações judiciais e atendimento psicológico.
“O órgão também articulou uma Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, possui uma Casa de Acolhimento para Mulheres em Situação de Violência e seus Dependentes. O serviço funciona 24 horas e atende mulheres sem risco iminente de morte. Com o fim de trazer informações sobre a violência para as mulheres, a pasta ainda realiza uma vez ao mês a Roda Integrativa para as mulheres do Bairro Cidade de Deus e adjacências, e de 15 em 15 dias no Bairro Padre Teodoro, para mulheres em situação de rua”, concluiu a istração.
Outras prefeituras
A Prefeitura de Ituiutaba informou que realiza rodas de conversa e ações educativas, com a participação de palestrantes e profissionais especializados na área, por meio dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras). A cidade conta também com a Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica, atuando no enfrentamento a esse tipo de ocorrência.
“Outro equipamento é o Centro de Referência e Atendimento à Mulher Ituiutabana, que oferece atendimento especializado às vítimas de qualquer forma de violência. No local, são disponibilizados serviços de assessoria jurídica, apoio psicossocial, ações de integração social e encaminhamentos conforme a necessidade de cada caso”, afirmou a gestão, em nota.
O Executivo de Betim também se pronunciou acerca das medidas para enfrentamento e prevenção da violência contra a mulher. Entre elas estão o Centro de Referência Especializado de Atendimento à Mulher, a Ouvidoria de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, para recebimento de denúncias, e a Patrulha de Proteção à Mulher, da Guarda Municipal.
A istração informa manter ainda o aplicativo “Botão do Pânico”, destinado a mulheres beneficiadas por medida protetiva com base na Lei Maria da Penha. Ao ser acionado, o sistema envia à Central de Operações da Guarda Municipal informações pessoais da vítima e sua localização exata. “O serviço está disponível 24 horas por dia e requer apenas que o aparelho esteja conectado à internet”, acrescenta a Prefeitura de Betim.
As prefeituras das demais cidades citadas entre as 10 de maior desigualdade de gênero também foram procuradas pela equipe do Estado de Minas, mas não se manifestaram até a publicação desta reportagem.
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O mapa da disparidade
As 10 últimas colocações de Minas em igualdade de gênero, segundo critérios
do Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades
Município (Região ) Pontuação
Patos de Minas (Alto Paranaíba)31,8
Vespasiano (Grande BH)31,7
Betim (Grande BH)31,5
Ipatinga (Vale do Aço)31,1
Sete Lagoas (Central)30,4
Varginha (Sul)30,2
Poços de Caldas (Sul)29,7
Sabará (Grande BH)29,3
Ituiutaba (Triângulo Mineiro)28,6
Araxá (Alto Paranaíba)24
Fonte: Instituto Socioambiental Tewá 225
Os Ods 2030
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são um conjunto de 17 metas estabelecidas pela Assembleia Geral da ONU em 2015, como parte do plano de ação global para proteger o planeta e promover a prosperidade de todos os povos e nações até 2030. Entre os principais desafios dessa agenda estão pobreza, desigualdade, mudanças climáticas e paz. O ODS 5 balizou a pesquisa do instituto socioambiental Tewá 225.