E no grito de resistência, Umbanda acolhe o Congado em Lagoa Santa
Encontro religioso, cultural e político, realizado na cidade mineira, fortalece a união dos terreiros com grupos católicos em um manifesto contra o preconceito
compartilhe
Siga noNo chão sagrado de um grande terreiro, a comunhão de fé e almas, se fez presente em Lagoa Santa. Vestidos de branco, com guias, terços, búzios, saias rodadas e turbantes de pais e mães de santo, ou em vestimentas africanas dos babalorixás, eles estiveram lado a lado de reis, rainhas, princesas e guardas de congado. Esses últimos, que sofrem até hoje com a proibição de manifestarem a fé em algumas igrejas católicas, na tarde ontem, foram abraçados e acolhidos em um sentimento de respeito e de pertencimento – são ‘divindades’ que merecem respeito. E no laço de irmandade que se criou, uma energia vibrante surgiu no evento e fez, com que todos os presentes, tornarem-se gigantes multiplicadores da cultura e da fé, ao consolidar e abraçar a união do povo negro.
- Salve! Minas abraça, pelo segundo ano, a umbanda na semana santa
- Chama das Velas: A Sua Interpretação na Umbanda
“Aqui não é um encontro só de amor, só de afeto, só de fé, só de axé. É também um encontro político, mas uma política no melhor sentido da palavra. Dias atrás, o Senado Federal aprovou uma lei que possibilita destruir mais ainda o nosso planeta, flexibilizar mais ainda a lei ambiental para destruir as áreas verdes. É um ataque não só contra a biodiversidade, é um ataque também contra a nossa fé, porque não tem como a gente cultuar nossos orixás, sem uma relação com o sagrado materializado na natureza, que está aqui nos cercando. Sabemos que, nos atabaques ancestrais, estão os caminhos para a gente superar essa crise. É na sabedoria dos pretos e pretas-velhas que está o caminho para superar a crise que nós estamos”, disse a deputada federal Duda Salabert, ao participar do 1º Encontro de Reinados, Congados em homenagem aos Pretos-Velhos, ocorrido nesse sábado (31/5), no Parque de Exposições, em Lagoa Santa.
O dia de ontem foi um divisor de águas, não só para a cidade mineira, mas para todo o Brasil. Pois, colocou em pauta a discussão da ancestralidade, do racismo social, cultural e religioso presente contra negros e negras nos dias atuais. Ao lado da deputada federal, a vice-prefeita de Lagoa Santa, Adelia do Carmo, primeira mulher preta, periférica a ocupar a cadeira do executivo se emociona ao participar dos debates: “fico muito feliz com a fala da Duda, pois estamos aqui em um encontro de resistência, em um encontro de fé. E todas as pessoas que estejam aqui, sejam multiplicadoras de amor, de humildade. E que Lagoa Santa seja um polo desses sentimentos. Esse povo de fé não será vencido com todo esse preconceito. Eu, no lugar como estou hoje, como vice-prefeita, sofro muito preconceito. Venho sofrendo ao longo da vida e sofro agora nesse lugar. Isso não diminui a minha força. Quero, a partir de hoje, com todos juntos, mostrar que a força do povo negro é muito potente”.
Ver essa foto no Instagram
Na sequência, foi a fala da vereadora Lavina Rodrigues, autora do projeto de Lei 6428/2025, instituiu o dia 31 de maio, no calendário de Lagoa Santa, como o dia dedicado aos Encontros de Manifestações dos Povos de Cultura Tradicional e de Matriz Africana. “Esse espaço ficou fechado por 16 anos. Para reabrir, foi com muita luta e trabalho. Para que possamos dar continuidade a nossa cultura, a nossa ancestralidade e toda manifestação de fé. Sou a primeira preta a ocupar uma cadeira no legislativo municipal e a única mulher entre 15 vereadores homens. É luta diária para que esse povo que, tem vulnerabilidade social, seja visto. Estou aqui para lutar pelo nosso povo, pelos nossos ancestrais”.
Libertação
Pai Erlon Câmara, do Templo Caboclo Pedra Branca, agradece a presença e a união dos terreiros
“Nós sofremos todos os dias o preconceito. Tem terreiros que são apedrejados. Tem filhos de santos que se forem por trabalho com uma guia ( colares dedicados aos orixás), perdem o emprego. Nós temos que nos unir e tratar nossa religião não somente como fé, mas como ato político para poder viver. Estamos lutando, ainda, para estarmos vivos. Esta semana a prefeitura de Belo Horizonte aprovou o projeto que permite bíblias nas escolas. Fico muito feliz. Importante. Espero que agora aprovem o uso sw nossos pontos ( cânticos ), das histórias dos pretos da Umbanda e do Candomblé em todas as salas de aula. Vamos lutar por isso. Um debate que deve ser discutido no Congresso e aqui em Lagoa Santa, uma cidade plural. Em agosto estaremos na Festa de Iemanjá, logo após a Festa de Nossa Senhora da Saúde. Nós não devemos ficar presos, só dentro dos terreiros. Já estamos desacorrentados há muito tempo. Estaremos em todos lugares que a gente quiser. Pois somos livres e fazemos o bem, só o bem”, emociona Pai Erlon Campelo Câmara, sacerdote do Templo Cabana Pedra Branca, que organizou o evento na tarde desse sábado.
Os debates sobre “qual o lugar a comunidade negra ocupa na sociedade?” reuniu representantes da OAB/MG, da cultura e de religiões de matriz africana. Makota Célia Gonçalves ficou indignada com o episódio de misoginia sofrido pela ministra Marina Silva, no Senado Federal: “lamentável ocorrido contra uma mulher, que tem um histórico de batalhas contra os crimes de meio-ambiente. Nós, como ativistas e mulheres, solidarizamos com ela e que o ocorrido jamais se repita.”
Leia Mais
Apresentação de congado
Quando o Sol começou a se pôr no horizonte, grupos de Congados e Reinados se perfilam para ocupar pátio do Parque de Exposições. No trajeto por avam, eram observados e irados por representantes de vários terreiros de Umbanda e Candomblé. “Não tem como não se emocionar. A história e crença deles é muito parecida com a nossa. A dor que eles sentem é a mesma dor que sentimos. Eles trazem uma alegria inexplicável de resignação e esperança. Um momento adorável em movimentos e cânticos fraternos”, ira Mãe Andrea.
Adorei as Almas
Com a chegada da noite, o céu estrelado, com seu manto de brilho, anunciou a chegada dos Pretos-Velhos. Na gira gigante, 20 terreiros de Umbanda e Candomblé iniciaram o ritual sagrado. Os defumadores espalharam o cheiro de ervas aromáticas por todo ambiente. Ao som dos tambores e atabaques, cerca de 60 médiuns iniciavam o momento de transe. Nessa hora, à eles eram entregues os cajados, cachimbos e o material de benzeção. Na fila que se formou, frequentadores umbandistas, visitantes e curiosos esperam a sua vez para estar, frente a frente, com seres de pura bondade, humildade e caridade. A cada abraço, lágrimas escorriam pela. Ao final do e, saíam todos com semblante feliz, com uma expressão de Paz. Foram, por poucos minutos, agraciados com palavras de conforto e, até de cura, por entidades benevolentes de anteados de antigos escravizados. Para finalizar o momento ritualístico, presentes tomaram banho de água de cheiro e pipoca, onde eles levaram para casa a sabedoria que somente o amor e a caridade importam.