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O Sr., no início de sua carreira, após se formar em direito pela PUC-MG, em 1979, foi advogado em questões internacionais, vereador por Barbacena e promotor de justiça no Espírito Santo, antes de ingressar no Ministério Público Federal (MPF), em 1984. Como essa diversidade de atividades contribuiu para sua atuação nos mais de 40 anos de carreira no MPF?


Primeiramente gostaria de agradecer a oportunidade desta entrevista neste periódico que já é uma tradição respeitada entre os mineiros e que já é conhecido em todo o país. Após me formar em 1979, em 1981 fui contratado pela Construtora Mendes Júnior para trabalhar em uma obra ferroviária no Iraque, conectando Bagdá a Al Qa'im na fronteira com a Síria, essa ferrovia depois de alcançar a fronteira ia seguindo margeando pela fronteira sírio-iraquiana até uma mina de fosfato em Akashat um pouco mais ao sul.


O nosso escritório ficava baseado num acampamento do Km 215 da ferrovia, partindo de Bagdá. Eram vários acampamentos, este era o maior e onde se concentrava a maioria dos belo-horizontinos, mas havia gente do Brasil inteiro e do resto do mundo - era imenso, tinha as dimensões do bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, uma verdadeira cidade, apelidamos a via principal de avenida Afonso Pena. Para se ter uma idéia das dimensões do projeto, quando cheguei lá em outubro de 1981 a empresa tinha doze mil homens no canteiro de obras e um turnover mensal de 3 mil trabalhadores, por aí você pode ver como o jurídico era sobrecarregado e, no meu tempo éramos só dois advogados no acampamento, eu era o advogado júnior da equipe.


Essa experiência foi marcante, pois envolveu conviver com mais de 50 nacionalidades diferentes em um canteiro de obras, no estrangeiro, um ambiente de cultura e religião islâmica. Trabalhei na área jurídica da empresa, lidando com tribunais e repartições istrativas e o direito muçulmano, o que me proporcionou uma visão ampla e um aprendizado sociológico, antropológico, cultural e profissional único. Esse período é bem conhecido em Belo Horizonte por esta geração, muitas pessoas foram contratadas de Belo Horizonte, para participar desse projeto, e todos valorizam muito essa vivência singular, difícil de ser replicada.


Particularmente o direito iraquiano da época era muito rico, notadamente a legislação processual era toda de base sa com adaptações para o mundo islâmico. Havia o juizado de instrução e outros institutos que até hoje ainda não temos aqui, por outro lado o habeas corpus, instituto clássico no ocidente, lá não era conhecido.


Seguindo uma longa tradição familiar, depois candidatei-me a vereador em Barbacena, onde exerci o mandato por seis anos. Essa atuação política municipal, próxima à população, permitiu-me entender as demandas locais e atuar na istração pública, ampliando minha perspectiva e experiência de vida. Foi também um período também muito rico de experiências.


Posteriormente, ingressei no Ministério Público como promotor de justiça no Espírito Santo. Atuei em diversas comarcas, como Guarapari, Vila Velha, São José do Calçado, Anchieta, Ecoporanga e, em substituição, Vitória. O Espírito Santo é muito querido pelos mineiros, quase uma extensão sentimental de Minas Gerais. Essa experiência na promotoria de primeira instância, em um ambiente diversificado, foi extremamente enriquecedora e deixou boas recordações.


Em 1984, ingressei na Procuradoria Geral da República como procurador da República, onde atuo há mais de 40 anos. No MPF atuei em todas as instâncias do Judiciário, comecei na 2ª. Vara Federal no Rio de Janeiro e depois ei pelo extinto Tribunal Federal de Recursos, pelo TRF1, em todas as turmas do STJ e depois no pleno do STF, em todos os ramos do direito, em feitos do direito criminal, privado e público.


Essa trajetória no Ministério Público Federal, somada às experiências anteriores, trouxe não apenas conhecimento jurídico, mas também uma compreensão profunda de antropologia, psicologia e dinâmica social. Essas vivências ajudaram a moldar minha visão de mundo e reforçaram meu compromisso com um trabalho de qualidade, voltado para servir ao próximo, ao meu país e à justiça.


O Sr. foi advogado-geral da União em 2002 e advogado-geral de Minas Gerais (AGE-MG) de 2003 a 2010. A União, assim como os Estados, está, historicamente, entre os maiores demandantes judiciais. O Sr. enxerga uma perspectiva de mudança em relação a tal situação com a política de incentivo à desjudicialização por parte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)? O que pode ser feito para reduzir o acervo de mais de 80 milhões de processos ativos no judiciário brasileiro?


Entre 2002 e 2010, exerci as funções de advogado-geral da União e, posteriormente, de advogado-geral do Estado, este durante sete anos, quando tive a honra de atuar nos dois mandatos do governador Aécio Neves. Antes disso, trabalhei como subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da presidência da República e como secretário-executivo no Ministério da Justiça do governo FHC. Nessas experiências, tive a oportunidade de observar de perto o excesso de processos envolvendo órgãos públicos na Justiça Federal.


É inegável que o Estado e a União são os maiores demandantes e demandados judiciais no país. Essa situação decorre, em grande parte, do gigantismo estatal. Como o Estado abrange praticamente toda a vida do cidadão, interagindo em diversos níveis, essa interface se torna, inevitavelmente, fonte de atrito. Assim, União e Estado não são apenas grandes demandantes, mas também os principais alvos de ações judiciais.


Em nosso sistema constitucional, o Estado abarca quase todas as atividades humanas no Brasil, resultando em um gigantismo desproporcional e inconveniente. Isto gera milhões de ações tanto do Estado contra diversas partes quanto contra o próprio Estado, municípios e União.


Um exemplo recente é o problema do INSS. Prevejo milhões de novas ações contra o INSS e a União em razão das questões que surgiram recentemente, demonstrando que toda interação do cidadão com o Estado pode gerar controvérsias.


A forma de lidar com essa situação, que tem sido razoavelmente eficaz, é a utilização de mecanismos como as súmulas e os recursos de uniformização de jurisprudência, como os repetitivos e as decisões vinculantes. A vinculação dos órgãos públicos e das instâncias judiciárias às decisões dos tribunais superiores é crucial para unificar a jurisprudência e evitar uma maior avalanche de ações.


A insegurança jurídica é uma consequência direta dessa instabilidade, e precisamos de segurança jurídica para trabalhar, produzir e viver com tranquilidade. Portanto, é essencial que os tribunais e instâncias inferiores sejam fiéis à jurisprudência dos tribunais superiores. Não importa se o Supremo, STJ ou TST "erram"; uma vez que a instância superior define uma matéria, é preciso que todos — Estados, órgãos públicos e partes particulares — a sigam. É fundamental ter essa clareza: devemos obedecer à jurisprudência superior.


Por outro lado, é igualmente necessário que os tribunais superiores não vacilem e não oscilem em sua própria jurisprudência, pois isso também provoca grande insegurança. Uma linha estabelecida deve ser seguida. O ativismo judiciário também atrapalha muito, pois introduz uma interface política nas decisões, tornando-as instáveis, casuísticas e focadas no momento político, o que contribui para a instabilidade, o ativismo judiciário submete o tribunal à crítica política da conveniência da medida, o que é muito ruim, o juízo político de conveniência é do Congresso e a ele é que deve ser dirigida a crítica, quando o Judiciário se coloca neste lugar ele fica ível da crítica política, o que é muito ruim para as instituições e para a estabilidade jurídica que o país precisa para crescer e se desenvolver.


A solução, a meu ver, está em aplicar bem os mecanismos já existentes de estabilização da jurisprudência. Acredito que ainda não chegamos ao ponto ideal. Há também uma questão cultural: o brasileiro, de certa forma, "gosta de uma açãozinha na justiça". A redução dos acervos processuais só ocorrerá com a estabilização da jurisprudência e da legislação. Se a jurisprudência continuar oscilando, se não houver fidelidade aos tribunais superiores e se a legislação também flutuar, teremos sempre uma certa insegurança. No entanto, creio que estamos no bom caminho, precisamos aperfeiçoar um pouco mais os mecanismos existentes.

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