ECONOMISTA HÁ 46 ANOS, COM 35 ANOS DE VIDA PÚBLICA
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Siga noMilitante político desde os 17 anos, economista, professor, ministro, governador de Minas: Fernando Pimentel é o entrevistado central do D&J Minas. Com uma visão lúcida da economia, com o conhecimento de quem, há 46 anos, é professor na matéria, aliada a experiência de quem exerceu o primeiro cargo público há 35 anos, como secretário municipal de Belo Horizonte, Pimentel fala sobre o momento atual, política, suas atividades e planos à frente da EMGEA, a poderosa gestora de ativos ligada ao Ministério da Fazenda e relata “causos” deliciosos como seu encontro com Pepe Mujica, o ex-presidente do Uruguai, recém-falecido.
O Sr. é se formou em economia na PUC-Minas e é mestre em Ciência Política pela UFMG. Foi professor do Departamento de Economia da UFMG desde 1978, onde foi coordenador do Centro de Extensão. A formação em economia, atualmente, tem acompanhado as transformações do mundo digital? Quais os maiores desafios para os economistas nos dias atuais?
Creio que o desafio, no fundo, continua o mesmo. A economia não é uma ciência exata. Faz parte das chamadas “humanidades”, é uma ciência social. Desde que o “homo sapiens” se tornou a espécie dominante no planeta, as duas questões econômicas fundamentais são: como garantir a produção de bens que excedam as necessidades básicas e como distribuir esse excedente de forma adequada. Ambas as questões nos lançam no terreno da moral e da ética: é correto gerar esse enorme excedente de que somos capazes à custa da destruição do meio ambiente? É justo apropriar a renda e concentrar a riqueza na forma em que o mercado o faz? Toda a discussão atual sobre os avanços da tecnologia e seus possíveis benefícios, por mais importante que seja, não consegue avançar se não enfrentar as questões que, resumidamente, mencionei.
O Sr. iniciou na política em 1968, aos 17 anos, como militante dos movimentos estudantis contra a ditadura, tendo sido perseguido por esta. Viveu na clandestinidade durante um tempo e foi preso de 1970 a 1973. Como essa fase de sua vida, ainda tão jovem, influenciou para sua formação pessoal e profissional e forma de pensar?
Bem, fica claro que me alinho, desde jovem, nas fileiras da esquerda, vale dizer, no campo dos valores humanos, da busca de soluções coletivas, da justiça social e, até por experiência própria - já que fui prisioneiro político nos anos setenta - da defesa incansável da democracia. Poderia repetir a célebre frase de Ulisses Guimarães no discurso de promulgação da Constituição de 1988: “da ditadura, tenho horror e nojo”. Daí minha, mais do que estranheza, repulsa a essa recente tentativa de ressuscitar o cadáver do regime militar de 1964, no golpe que chegou a ser tentado e que hoje é objeto de processo penal no STF. O Brasil não pode permitir a volta deste ado tenebroso, que vitimou tantos cidadãos, que prendeu, torturou e matou a parcela mais generosa da juventude naqueles tempos sombrios. Sou testemunha e personagem da resistência, fui honrado pelo companheirismo de muitos moços e moças que perderam a vida naquelas lutas e é da travessia com eles que me orgulho.
De 1993 a 2009 o Sr. exerceu funções de secretário de Governo, Planejamento e Coordenação Geral, secretário de Fazenda, vice-prefeito e prefeito de BH. Foi apontado pelo site inglês Worldmayor, em 2005, como o 8º melhor prefeito do mundo, sendo o único da América Latina a figurar entre os 10 melhores. Como o Sr. enxerga as últimas istrações em face dos desafios, sobretudo de mobilidade, da capital mineira? Atualmente, é mais difícil istrar? Por quê?
Sem dúvida, hoje é mais difícil istrar do que há 35 anos atrás, quando assumi meu primeiro cargo público, de secretário da Fazenda Municipal em BH. Eu diria que não só as demandas aumentaram como também a legislação ficou mais restritiva em relação às competências do público.
Parece lugar comum queixar-se da burocracia, mas é real e crescente a dificuldade de lidar com ela. Esse é o primeiro ponto. O excesso de rigor, o punitivismo implícito nas condutas dos órgãos de controle, tudo dificulta e torna cada vez menos atraente a função do gestor. E as novas demandas crescem na mesma proporção em que as antigas são atendidas. A mobilidade que você menciona é um exemplo. As reclamações na imprensa em relação ao transporte urbano, muitas delas são pertinentes. Mas me lembro dos primeiros tempos na prefeitura e vejo os avanços. A frota de ônibus com melhorias inegáveis (ar condicionado, piso rebaixado, o sistema do Move, os avisos eletrônicos de horários), os táxis de BH muito mais bem cuidados do que a média das capitais e por aí vai. Claro que temos problemas: o metrô é exemplo, totalmente insuficiente enquanto transporte de massa. Resolver esse tipo de questão vai além das competências do prefeito, por melhor que ele seja. E o cidadão cobra de quem está mais perto, ou seja, do gestor municipal.
O Sr. foi eleito governador de Minas Gerais, em 2014, com 52,98% dos votos, vencendo o candidato de Aécio Neves, Pimenta da Veiga, no primeiro turno. Naquele momento, estava como governador do estado, o ex-deputado Alberto Pinto Coelho, que almejava ser o candidato da situação. A escolha de Pimenta foi um erro político de Aécio? Sentado na cadeira, Pinto Coelho não seria um candidato mais natural e, talvez, até mais consistente?
Essa é uma questão eminentemente político-eleitoral. Seria leviano de minha parte avaliar o campo adversário, após tê-lo derrotado da forma como foi em 2014. Alberto Pinto Coelho foi meu amigo e teria sido tão bom candidato quanto Pimenta da Veiga, com quem também sempre mantive relações cordiais, não obstante as asperezas naturais da campanha eleitoral. Mas eram outros tempos. A política conservava a tradição tão bem definida na frase de Milton Campos: “em Minas brigam as ideias, não os homens”. De fato, éramos adversários, mas nunca inimigos. Me entristece e me preocupa ver como o ódio e a agressividade se tornaram a matéria prima da disputa política atual. Personagens sem qualquer conteúdo ou proposta séria surgem e se multiplicam nas redes sociais, rebaixando o nível da discussão política ao terreno pantanoso das “lacrações" e das “fake news”. Acabam eleitos até para cargos majoritários, onde desempenham o papel de bufões, de verdadeiros bobos da corte, tentando ocultar a incompetência atrás da cortina de fumaça dos vídeos de Tik Tok, com postagens que dão vergonha a qualquer cidadão com o mínimo de senso do ridículo.
O Sr. foi ministro do Desenvolvimento de 2011 a 2016. Agora, no governo Lula assumiu a presidência da EMGEA (Empresa Gestora de Ativos). Qual a função e o objetivo da empresa? Quais seus principais desafios e metas à frente dela?
A empresa, como o nome já diz, é uma gestora de ativos, ligada ao Ministério da Fazenda. É pequena, tem pouco mais de 100 funcionários, mas tem um caixa poderoso, oriundo basicamente de direitos creditórios do antigo FCVS (Fundo de Compensação da Variação Salarial). istra uma carteira também antiga, herdada da Caixa Econômica Federal, já em processo de extinção. Mas recebemos novas tarefas, com a Lei nº 14.995/2024. Agora a Emgea pode construir modelos de gestão de ativos diferenciados, buscando novas carteiras e parcerias com diferentes entes da istração pública. Estamos trabalhando para criar um conjunto de instrumentos de avaliação, cobrança e gestão de todo tipo de ativos, imobiliários e/ou financeiros, sempre em parceria com o setor privado, buscando oferecer serviços à União, aos estados e aos municípios que nos demandem essas soluções.
Política para o Sr. faz parte do ado ou ainda pretende ser candidato?
Política é parte indissociável da minha vida. Sou militante desde a adolescência e pretendo continuar sendo, enquanto durar minha agem pelo mundo. Hoje não tenho interesse pessoal em qualquer candidatura. Contudo, devo lembrar que, até esse momento, nunca recusei uma convocação do partido (e só tenho um, o PT, desde a origem em 1979) para tarefas eleitorais. Mas espero sinceramente que não me atribuam nenhuma. Aqui da EMGEA posso continuar auxiliando o presidente Lula na área econômica. Fui professor de economia na FACE/UFMG, onde me aposentei, e essa volta à minha formação original tem sido muito instigante.
O Sr. conhecia bem Pepe Mujica, o ex-presidente do Uruguai falecido no mês ado. O Sr. teve uma agem interessante com ele em 2016. Como foi? Qual o legado deixou Mujica para a política da América Latina?
Sim, eu o conheci. Tive a sorte de me aproximar do Pepe Mujica, quando fui governador. Estive com ele pelo menos três vezes mais longamente, e aprendi muito nessas conversas, verdadeiras lições de vida e de política com esse excepcional militante, um dirigente que conjugava sabedoria, humildade e capacidade de expressão de forma encantadora.
O episódio a que você se refere se deu de fato em 2016. Eu tinha ido a Montevidéu para convidá-lo para o 21 de abril, em Ouro Preto, onde ele ganharia a Grande Medalha da Inconfidência e seria o orador principal.
Nesse dia, ele estava gripado, louco para tomar um uísque, mas a Lucia, sua esposa, tinha proibido e o vigiava de perto. Estávamos os três conversando na sala da pequena casa em que moravam. Num dado momento ela sai da sala, ele pisca o olho para mim e diz: “vamos compartir um traguito”. Vira-se na cadeira e chama: “Por favor, Lucia, trae la botella de Royal Salute que gané". E ela: “pero Pepe, no puedes beber, estás resfriado!”. Ele retruca: “No es para mí, es para nuestro invitado". Lucia traz um único copo, serve uma dose para mim e sai de novo… e ali ficamos nós dois, duas horas tomando uísque no mesmo copo, para enganar a companheira! Creio que enxugamos meia garrafa! Quando levantei para ir embora, Lucia me olhou de cara feia… ela certamente desconfiou do nosso estratagema. Fiz cara de paisagem e me despedi pedindo desculpas por demorar tanto e ter exagerado no uísque. Pepe veio comigo até a porta, me abraçou rindo discretamente e sussurrou no meu ouvido: “La viejita esta sospechosa". Este era Mujica, um ser humano diferenciado, cuja vida deixa um legado inspirador a todos que buscam um mundo mais solidário e mais fraterno.