Ele é velho, mas não está para brincadeira. Parafraseando o próprio no vídeo em que falou sobre seu próximo show em Belo Horizonte, Caetano Veloso, 82 anos, é a estrela maior da edição 2025 do Sensacional. Na noite de abertura do evento, em 27 de junho, no Parque Ecológico da Pampulha, faz o que vem chamando de “show de festival”.


Finda, em março, a temporada de estádios com Maria Bethânia, ele segue 2025 com poucos (sete, por ora) e bons shows. Só festivais – o primeiro ontem (17/5), em Curitiba –, até novembro, com a mesma (jovem) banda que o acompanhou na turnê “Meu coco”.


“O repertório resultou incrivelmente energético. Canto canções fortes de minha história, muitas que não vinha cantando há tempos”, afirmou Caetano em entrevista, por e-mail, ao Estado de Minas, em que tratou também sobre a crise mundial, finitude e religião. Como de praxe, ratificou BH como a “cidade que em minha história mostrou sempre ter o melhor público do Brasil”.


Você descreveu “Um Baiana”, inédita que estará no show, como “uma oração para esse clima de terceira guerra mundial que o mundo está vivendo”. Tempos de fúria são férteis para a criação?
Tudo pode ser fértil para a criação artística. O estado do mundo, no momento, é de conflitos tão exacerbados que a imaginação criativa fica excitada pela abominação e desejosa de retratar esse estado e poder esboçar sonhos de superação.


Milton fez megaturnê de despedida, Gil está fazendo a dele. Você pensa em adotar esse formato para sua despedida dos palcos?
Com a idade, a gente tem que ir diminuindo a frequência de viagens e shows. Principalmente de viagens. Mas não penso em fazer algo como grande show de despedida. Preferiria ir pro Teatro Vila Velha (em Salvador, onde estreou, em 1964, com “Nós, por exemplo...”, ao lado de Bethânia, Gil e Gal) e cantar sempre lá. Isto é, se o teatro ainda tiver a magia de seu histórico. Mas ainda amo cantar para plateias diferentes em todo o Brasil.


O rap, hoje, está no mainstream da música brasileira. Você ajudou a quebrar barreiras compondo “Haiti” com o Gil. Mas a sina "excluídos" prossegue com o funk, que você também incluiu no repertório. O que te chama a atenção no funk?
Gosto de funk desde que ele surgiu em sua forma brasileira, carioca, favelada, com base rítmica semelhante à do maculelê santamarense. Bem antes de "Haiti", fiz "Língua", em que grito perto do final "samba-rap". Me fascinou a onda de longas letras declamadas sobre batidas. Mas o rap ou a ter seus representantes no Brasil. E, evidentemente, não é a minha praia. Os Racionais não precisaram saber de minha atenção ao rap americano quando o adotaram. E o funk carioca não parou no Rio nem é desconhecido pelo mundo. É uma forma musical brasileira de que me orgulho muito.


A chegada dos anos 2000 representou uma grande mudança comportamental. O que Caetano Veloso aprendeu com os mais novos?
Tenho filhos de gerações diferentes. Trabalho com músicos jovens. Converso com todos, na medida do possível. Vou aprendendo. Mas não é fácil, embora eu me sinta sempre à vontade perto da garotada que toca comigo.


A imprensa aventou a possibilidade de sua candidatura para a vaga de Cacá Diegues na Academia Brasileira de Letras, o que não se confirmou. Você tem vontade de vestir o fardão da ABL?
Nunca tive e nem tenho vontade de entrar para a ABL.


O mundo inteiro se sensibilizou com a morte do papa Francisco. Filho de dona Canô e irmão de Bethânia, qual é o papel da Igreja Católica hoje?
Não sou religioso. Visito o Gantois porque, seguindo exigência de Mãe Menininha, fiz a cabeça no terreiro, junto com Bethânia. Antes tinha sido batizado, crismado e feito a primeira comunhão na igreja da Purificação, em Santo Amaro. Uso branco todas as sextas-feiras, a pedido de Bethânia. E tenho as contas que me foram dadas no Gantois há muitos anos. Para cada casa a que me mudei desde que me casei com Dedé, minha primeira mulher, mãe de Moreno, minha mãe trouxe uma foto ampliada e enquadrada de Nossa Senhora da Purificação e pôs na parede. Com frequência, rezo a essa Nossa Senhora, que é minha mãe, minha infância, minha vida. Mas respeito as evidências da materialidade e penso na finitude. Parece-me óbvio que, quando eu morrer, este cara aqui, Caetano, deixará de existir.


A música evangélica, assim como as igrejas evangélicas, têm conquistado mais espaço no país. Você gravou “Deus cuida de mim” com o pastor Kleber Lucas. Vai prosseguir nesta comunhão com a música gospel?
O que me chamou a atenção, já faz muito tempo, foi o crescimento do evangelismo no Brasil. Vi cenas que pareciam possessões candomblecistas na igreja pentecostal que se abriu em Santo Amaro, perto da minha casa. Mas tudo isso era ultraminoritário. Eu andava com umas sempre muito queridas colegas de escola que moravam na minha rua, as filhas de Dona Morena: Lidinha, Emilza, Lurdinha... Gostava de conversar com elas. Quando voltei do exílio pós-prisão, em 1972, liguei para Lidinha para chamá-la a vir à minha casa para nos vermos. Ela respondeu de forma para mim enigmática na época: "Não posso ir. Quero só lhe dizer Jesus lhe ama!". Elas criaram uma igreja ligada à Assembleia de Deus, creio. Hoje é uma igreja grande, que funciona. Quero um dia ir lá ver uma reunião, como vejo aqui no Rio, às vezes, com meu filho Zeca.


SENSACIONAL
Noite de abertura do festival. Com Caetano Veloso e projeto Jah-Van (música de Djavan em ritmo jamaicano), com Chico César, Céu e Assucena. 27 de junho, das 17h às 23h, no Parque Ecológico da Pampulha, Avenida Otacílio Negrão de Lima, 7.111. Ingressos: a partir de R$ 260. À venda no shotgun.live.

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