Renato de Faria
Renato De Faria
Filósofo. Doutor em educação e mestre em Ética. Professor.
FILOSOFIA EXPLICADINHA

A função social dos bebês reborn

Bem-vindos ao irável mundo novo onde bonecos salvam crianças

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Freud explica. Mas Lacan complica. E o capitalismo embala em suaves prestações. Estamos vivendo tempos tão sofisticadamente insanos que já não são mais as crianças que brincam de boneca. São os adultos que precisam brincar de maternidade/paternidade para não explodir seus recalques nas crias reais.

Os bebês reborn — aqueles bonecos hiper-realistas que parecem recém-nascidos em formol — não são mais brinquedos. São dispositivos terapêuticos, válvulas de escape para adultos emocionalmente atolados, que, em vez de “curar a criança interior”, preferem criar uma criança de borracha que não responde, não grita, não exige Wi-Fi nem questiona a existência. Um bebê ideal: sem pirraça, sem birra e, sobretudo, sem subjetividade. A utopia da parentalidade higienizada.

Engana-se quem pensa que se trata de pura loucura. Trata-se de um sublime gesto ético! Um avanço civilizatório! Sim, porque talvez seja melhor que alguns adultos brinquem de cuidar do boneco do que projetem suas neuroses, seus traumas e suas frustrações nos filhos de carne e osso que esperam apenas um pouco de afeto e algum pacote de biscoito recheado.

As estatísticas não mentem (já os adultos, sim): a maioria das violências contra crianças parte de quem deveria protegê-las. Pais, mães, padrastos, madrastas e outros espécimes do arquétipo “adultus perturbatus”. É nesse cenário que o bebê reborn se ergue como herói silencioso, mártir de vinil. Ele absorve o grito reprimido, o tapa que não veio, o berro que ecoaria no quarto de uma criança real.

É nesse contexto que os bebês reborn surgem como ironia e salvação. Ironia, porque representam o ideal impossível: um filho perfeito, dócil, sem autonomia. Salvação, porque deslocam o desejo de maternagem ou paternagem para o inofensivo. São os bebês que acolhem sem exigir, que calam sem trauma, que existem sem incomodar.

Me dei conta: talvez essas bonequinhas de vinil sejam, na verdade, heroínas silenciosas. Substitutas divinas. Sacrifícios de silicone que se colocam no altar da futilidade para salvar as crianças reais de um destino ainda mais absurdo — ser filho de um influencer emocionalmente ausente, cujo maior compromisso é com a própria “estética de feed”.

Bem-vindos ao irável mundo novo onde bonecos salvam crianças. E onde adultos são os que brincam de “faz de conta”. Faz de conta que têm paciência. Faz de conta que amam. Faz de conta que estão preparados. Mas o espelho da vida real é cruel, e quando o reflexo da própria imaturidade começa a gritar no berço às três da manhã, nem todo mundo segura o tranco.

Há quem critique, dizendo que esses adultos deveriam buscar terapia. Mas sejamos realistas: terapia exige escuta, reflexão, processo. O bebê reborn, por outro lado, está ali pronto, à venda, em até dez vezes sem juros no cartão. E já vem com cheirinho de talco. Muito mais ível que o Lacan.

Em tempos líquidos, como diria Bauman, o reborn é sólido. Firme. Inquebrável. E, sobretudo, silencioso. Um bebê que nunca diz "não quero brócolis", "você está sendo tóxico", ou "não me chame de princesa". É o filho ideal para quem não a o filho real.

Por isso, deixemos os reborns com esses adultos perdidos em sua própria infância mal resolvida. Talvez eles, esses bonecos tão quietos e falsamente serenos, sejam os verdadeiros anjos da guarda das crianças reais que nasceriam solicitando cuidado. Aquelas que, por sorte, estão sendo poupadas do convívio com certos pais.

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No fim, os bebês reborn não são brinquedos. São escudos. Escudos que salvam os pequenos de serem criados por quem nunca cresceu.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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