Carlos Starling
Carlos Starling
SAÚDE EM EVIDÊNCIA

A alma arrebenta algemas

Bastam pedras, botões e uma manhã enfumaçada para que a poesia nasça no meio do nada

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Belo Horizonte amanheceu embaçada. O belo continua. O horizonte está cinza. As nuvens cobrem a Serra do Curral e suas entranhas são devastadas pela insensatez. Exceto pelo grito obrigatório dos meus vizinhos recrutas e o martelo que maltrata a cabeça de um prego, o silêncio impera.

A cidade encolheu sua alegria e ficou óbvia. Já não basta o encanto de subir Bahia e descer Floresta. Precisamos abraçar o supérfluo. A poesia responde mal à ideia de clareza. Quem quiser clareza, que leia outras seções deste mesmo jornal.

Se quiser abraçar o óbvio, e longe de Guimarães e seus sertões infinitos e espinhosos. A poesia é cinza, como BH nesta manhã. Metade eu e metade você, que talvez não tenha parado para olhar a serra.

 “A vida é curta, curta a vida.” De você para seus botões, o óbvio precisa ser dito e repetido milhões de vezes. Poesia não tem assunto próprio. Bastam pedras, botões e uma manhã enfumaçada para que a poesia nasça no meio do nada. Tão sem lógica como o destino de uma flor que, nascida com o desejo de ser cupido de um amor, adornará um caixão. O meu, o seu e de todos que um dia tiveram amigos.

Poesia?! Não. Simples destino de flor. O reDEMOinho embaralha as cartas e a sorte está lançada. Podemos ser prego ou martelo. Ou vice-versa. É na palavra que o mundo acontece. Pintura falada para tirar o cinza dos nossos dias.

Mais de mil vezes andei ao lado do homem e seu cachorro que iam devagar. Vi casas entre bananeiras e mulheres entre laranjeiras. Cantei, amei e colhi frutos nessa vida besta.

O rosto visível do conteúdo tem a forma de um coração, que mistura amores e tudo cabe. Que alegria falar para quem escuta com a alma de criança. Isso me torna eterno no orgasmo de fazer o que faço. Casei com meu destino. Rico destino... Que culpa tenho eu?!

Dona Aurora e eu hoje olhamos devagar a vida besta que se foi. Da moldura da janela entre nuvens cinzas, que aos poucos se dissipam, Belo Horizonte, São Gonçalo do Abaeté, Itabira e Ibiá são, nesse instante, o mesmo lugar. As distâncias e diferenças já não existem. Nada, nadador! Só lhe resta nadar. Manoel nadou e foi para o mundo, conciliar o irreconciliável.
Penso na morte e adoro pensar. Penso todos os dias. Se a morte não existisse, teríamos que inventá-la. Chupei meu último picolé e compartilhei meu prazer eterno com vocês. (Degustem o picolé. A indesejada das gentes nos ensina isso!). Alô, ineludível! Vamos chupar picolé?!

Com a voz em “off”, vou contar-lhes um segredo: encontrei lavrado campo, a casa limpa e a mesa posta, com cada coisa em seu lugar. Queria ter três vidas para decifrar o livro místico. Não é todo dia que isso acontece, mas aprendi a ler as entrelinhas do amor. Entre o modernismo e o tropicalismo, em prova aberta, sonhei e abracei o mistério. Encontrei a poesia em estado de música. Acordes para ouvidos seletos que desvendam o símbolo contido nos detalhes. Todos estão nus, para quem sabe ler e ouvir.

A poesia é como a própria vida: síntese. Difícil cortar os detalhes quando tudo é fundamental. Dissecando Cruz e Souza, descobri que ele sempre esteve certo: a alma arrebenta algemas.

Um dia fiz uma poesia. O eu crítico cochilou e a poesia escapuliu pela porta dos fundos. Só uma ou. O funcionário anunciou o fim dos meus dias de uma vida inteira no meio de uma aula. Minha última aula. Verso quebrado?! Nunca!
“Cansaço dos braços, abandono dos remos, liberdade das águas.” Só isso!

As nuvens e o cinza se dissiparam, assim como minhas cinzas no campo do Sparta do meu São Gotardo. Voltei para casa. Vamos chupar picolé?!

* Texto inspirado na apresentação “Necessidade do supérfluo: reflexões sobre a linguagem poética”, do eterno Prof. Antônio Sérgio Bueno, Flisangô, 2022.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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