Carnaval dos Orixás: negritude e respeito às religiões de matriz africana 6k6v1f
'Quem fez enredo foram os orixás', disse o músico Carlinhos Brown, que estreou como compositor de samba-enredo, neste ano, na Mocidade Independente
Por
Izabella Caixeta*
25/04/2022 13:21 - Atualizado em 25/04/2022 19:07
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A rainha de bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel, Giovana Angélica, raspou a cabeça em homenagem a Oxóssi (foto: TV Globo/Reprodução)
Os orixás abriram alas na avenida nos desfiles do Rio de Janeiro e São Paulo, realizados na sexta-feira (22/4) e no sábado (23/4). A maioria das escolas apostou em enredos que fazem referência às religiões de matriz afriacana, apagamento histórico e resistência.
"No Carnaval deste ano ninguém fez enredo. Quem fez enredo foram os orixás. Os orixás escolheram o xirê para vir pra avenida (…) Desde 1980, 1984, eu nunca vi algo tão sincronizado, ou seja, a reafricanização se impõe diante das adversidades”, disse o cantor Carlinhos Brown, um dos coautores do samba-enredo "Batuque do Caçador", da Mocidade Independente de Padre Miguel, que homenageou Oxóssi, orixá das plantas milagrosas. A Grande Rio homenageou Exu com “Fala, Majeté! Sete chaves de Exu”.
A Paraíso do Tuiuti fez uma reverência aos orixás Oxalá e Nanã, na comissão de frente, e a Vila Isabel trouxe uma imagem de Omolú coroando Martinho da Vila, homenageado da escola.
A Acadêmicos do Tatuapé apresentou os orixás na comissão de frente, a rainha de bateria representou a a Rainha dos Ogãs e um carro alegórico apresentou Aruanda, o mundo espiritual onde vivem os orixás. A Águia de Ouro apresentou as entidades Exu, Oxaufan, Ebonis e Emis na comissão de frente, e usou o desfile para denunciar a intolerância religiosa.
Com as apresentações, as escolas buscam desmistificar a imagem negativa que parte da população tem em relação às religiões de matriz africana e suas divindades. Um exemplo é Exu, tido por muitos como demônio, entretanto, a entidade é o mensageiro entre os seres humanos e os orixás. Também é conhecido por ser a divindade que abre caminhos.
HISTÓRIA E RESISTÊNCIA 4z7330
Com a energia dos orixás e da religiosidade, a história e resistência do povo negro tomou conta dos desfiles tanto no Rio quanto em São Paulo.
Rio
Na primeira noite dos desfiles no Rio, a Salgueiro entrou na Sapucaí com o tema “Resistência”, sobre a luta para manter a história negra viva e lembrando locais fundamentais para a cultura negra carioca.
Beija-Flor entrou na Sapucaí com o enredo "Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor" (foto: Douglas Shineidr / Riotur.Rio)
A Beija-Flor encerrou o primeiro dia com "Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor", exaltando a contribuição intelectual e cultural negra para o Brasil, defendeu o continente africano como berço das primeiras civilizações e denunciou o apagamento histórico.
A comissão de frente composta por dançarinos executando ritmos e danças africanas, além de representar o apagamento histórico. A escola trouxe a mensagem “vidas negras importam”, enquanto imagens de George Floyd, homem negro morto nos EUA por policiais, e nomes de negros que tiveram a vida interrompida pela violência no Brasil avam em telões. Personalidades negras também foram homenageados pela escola.
Vila Isabel representou entidades africanas em seu desfile (foto: Marco Antonio Teixeira / Riotur.Rio)
Já no segundo dia no Rio a Paraíso do Tuiuti abriu a noite com o samba-enredo "Ka Ríba Tí Ÿe - Que Nossos Caminhos se Abram" e muitas homenagens a personalidades negras, como Nelson Mandela e Zumbi dos Palmares assim como da cultura pop, como Pantera Negra, Beyoncé, RuPaul. O Baobá, árvore que simboliza a ancestralidade, foi o tema central da Portela. A escola usou a árvore africana para falar sobre raízes e longevidade da cultura negra.
São Paulo
O primeiro dia de desfiles em São Paulo teve Colorado do Brás homenageando Carolina Maria de Jesus com o enredo "Carolina – A Cinderela Negra do Canindé" e contou também com uma rainha de bateria trans, a estreante Camila Prins.
Colorado do Brás homenageou Carolina Maria de Jesus com o enredo 'Carolina - A Cinderela Negra do Canindé' (foto: TV Globo/Reprodução)
A Acadêmicos do Tatuapé foi a penúltima a desfilar sob o som de “Preto Velho conta a saga do café num canto de fé”, a simbologia do Preto Velho, divindade cultuada nas religiões de matriz africana, foi usada como condutor da história do café no Brasil. A comissão de frente trouxe o preto velho agradecendo aos orixás por abrir seu caminho.
Coincidentemente, assim como aconteceu no Rio, o segundo dia de desfiles concentrou a maior parte dos desfiles com temáticas sobre a negritude. A primeira escola da noite, a Vai-Vai, homenageou os povos africanos com o enredo “Sanfoka! Volte e pegue, Vai-Vai”.
Sanfoka é uma referência a provérbios africanos, que representam o olhar ao ado para construir um futuro melhor. Duas alegorias representavam a retirada de tesouros africanos para exposição no Museu de Londres e o sequestro e tráfico de africanos para as colônias de países europeus.
A segunda escola a entrar no Anhembi foi Gaviões da Fiel com o enredo “Basta”, falando sobre desigualdade social e abordando a escravidão no Brasil se baseando no movimento “Black Lives Matter”. A escola homenageou personalidades que lutaram pela justiça social, como Nelson Mandela, Frida Kahlo, Mahatma Gandhi e o cacique Raoni.
Águia de Ouro apostou no branco para homenagear Oxalá (foto: Reprodução/Globo)
A Mocidade Alegre homenageou a sambista Clementina de Jesus, e a Águia de Ouro apostou no branco para homenagear Oxalá e a cultura afro brasileira, além de denunciar a intolerância religiosa, discriminação de gênero e preconceito com o enredo “Afoxé de Oxalá no cortejo de Babá – um canto de luz em tempos de trevas”.
Por fim, a Barroca Zona Sul, quinta a desfilar em São Paulo, apresentou o Zé Pilindra, uma entidade de cultos afro-brasileiros, com o enredo "A evolução está na sua fé... Saravá Seu Zé" e mostrou o sincretismo religioso presente no Brasil. Em uma das alas da escola foram representadas sete entidades: preto velho, caboclo, boiadeiro, baiano, cigano, erê e marinheiro.
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